EVE – ATO PRIMEIRO (AVELÃ, CANELA E CAFÉ)


Capítulo 1:

An Old Fashioned Love Song

(Uma Canção de Amor à Moda Antiga)

— Gostaria muito de desenhar você.

Foi o que disse para ela esboçando um típico risinho canalha…

— Posso ter essa honra?

Ao ouvir minha proposta senti sua hesitação. Ela estremeceu e suas faces ruboresceram. Foi divertido ver a pequena daquele jeito, apesar de ter gostado, preferi passar toda a segurança possível para que ela aceitasse meu pedido. Fui extremamente sincero ao dizer que sempre me mantive neutro quando fazia um retrato, fosse este de nudez ou não. Contudo, confesso que só aquela vez seria cafajeste. Somente naquela vez.          

— Posso afirmar que o retrato que te peço não é despida. Porém precisarei de um lugar reservado, pois precisarei de concentração.

Falei tranquilizando-a.

— O desenho que lhe peço não será de nudez.

Foi a partir daqui que comecei a ser um ordinário.

— Você me daria a honra de ser meu modelo?

Algumas horas antes…

O sol castigava minha pele enquanto eu a esperava desolado. Durante a ligação ela já tinha me alertado que chegaria com atraso ou que corria o risco de não vir, o que me deixou um bocado agoniado no orelhão. Pois fazia mais de uma hora que eu estava lá, no local de encontro, perto do ponto final de uma linha de ônibus.

Já estava cansado de esperar. Por uma razão desconhecida permaneci como um “dois de paus”, sem deslocar nenhum músculo, mesmo quando a vontade era de sair.

“Porra velho”, pensei alto. “Ela vale tanto assim?”

Sim, afinal não era qualquer uma. Eve valia a cada momento, cada segundo esperado. Tive essa confirmação quando a vi ainda de longe. Sério! Entendi no mesmo instante, o porquê de existir uma força me prendendo com meu humor alterado.

Eu a conduzia pelas ruas com uma estranha combinação de indolência e elegância.  Queria causar impressões diferentes, notórios anseios. Naquele momento eu era um arlequim se divertindo com a confusão mental que causava na mulher desejada. E, parando para pensar, foi a primeira vez que abracei outro ser humano adulto por livre e espontânea vontade. Um ato sem explicação, ardoroso e puro. O ato mais complexo e cheio de amor que o meu ser tinha feito até então.

— Você me daria a honra de ser meu modelo? 

Eve fitou-me nos olhos. Seu olhar tinha diferenças do meu. Era pacífico, sereno, porém um tanto triste. Já no meu caso… Bom, vamos dizer que meu olhar era profundo o suficiente para absorver quem os olhava e fazia com facilidade com que o observador se perdesse para sempre.

Só te digo isso, porque foi o que aconteceu. Eve foi tragada por eles e com isso precisei trazê-la de volta a realidade, e o fiz com um simples:

— Pelo visto, o que pedi é difícil de solicitar a alguém como você.

— Não.

Ela falou desviando o olhar para os passageiros em pé ali naquele ônibus.

 — Só é… Complicado.

Sorri, dessa vez por ver o rosto de Eve se ruborizando.

— Relaxe, é apenas um desenho.

Falei-lhe novamente em tom pacificador.

Penso agora, se aquele “relaxe” era para ela ou para mim. Mas tudo que consigo lembrar é que menti. Menti descaradamente. Por maior que fosse meu desejo como artista, meu desejo como homem era maior.

Eu a queria.

Eu a queria antes de nos conhecermos. Eu a queria quando nos beijamos.

— E aí, você aceita?

Insisti.

— Tá bom!

Respondeu com um largo sorriso.

— Eu aceito.

Eu estava ciente do que fiz e de que ela entendeu o que eu realmente queria, estava convicto de que ela também ansiava o mesmo. No fim, eu a desejava, mas era covarde demais para assumir. Ela por sua vez, também era, pois também jogou comigo.

Enquanto caminhávamos em busca do tal lugar reservado, eu observei as pessoas e vi o quanto eram engraçadas. Ao passarmos por uma ou várias, reparei nas infinitas caretas, ora de surpresa ou, de espanto que faziam ao nos ver.

Ri. Ri bastante.

Era compreensível e não era para menos. Eve era grandiosa demais, graciosa demais, especial demais para estar com um sujeito antiquado de bandana e macacão. Enquanto eu… Eu era apenas um diabo necessário.

— Suíte cento e onze senhor!

Disse-me o atendente do motel sem disfarçar o interesse por minha garota.

Cerrei o punho. Meu sangue ferveu em minhas veias, meus dentes rangeram, no entanto, para a sorte dele, não me encontrava muito disposto a quebrar a cara de ninguém naquele momento. Sinceramente, não queria transmitir nenhuma impressão negativa para ela, mas também não queria perder a chance de me impor diante daquela afronta. Respirei, joguei minha mochila preta no ombro, depois arrumei os meus óculos redondos sem desviar meu olho daquele “filho da Puta”. Por fim, com um sorriso sádico o agradeci com um tom de voz vilanesco, como se fosse Kurgan, antes de partir para o quarto cento e onze com Eve.

Só Deus sabe que se fosse mesmo por mim, aquilo acabaria com minha direita enterrada no meio de sua fuça antes de ouvir o número da suíte e, depois de arrebentá-lo, lhe diria calmamente:

“Se olhar novamente, volto aqui e termino de partir sua cara.” Eu juro, faltou pouco para aquilo acontecer.

CONHEÇA MAIS:

EVE – ANTEÂMBULO

5 comentários sobre “EVE – ATO PRIMEIRO (AVELÃ, CANELA E CAFÉ)

  1. Muito bom, lembrei da letra de creep do Radiohead, sensacional, ansioso para ver as aventuras deste casal 👏🏻👏🏻👏🏻

    1. Não esperava menos de ti e de sua escrita, meu caro amigo, o jeito contado neste texto, faz imaginar as cenas e quere trazer elas para o papel, o sentimento puro e verdadeiro de cada palavra cada pequeno detalhe colocado a prova, a cada passo que tu das em Eve leva a uma grande historia, o que avia te dito antes, não só como amigo mas também como leitor, um ótimo começo, de um bela Historia, De seu amigo Gato Preto Vira lata continue a escrever sempre.

Deixe um comentário